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O Estado português deve ser organizado, segundo a Constituição, em república corporativa; para dar começo de realidade a esta aspiração vários decretos estabeleceram posteriormente as grandes linhas a que há-de obedecer a organização das corporações. Esta estende-se desde os interesses materiais aos interesses intelectuais e morais que os indivíduos prosseguem no seio da Nação; e por esse motivo, e porque cada vez mais se aproxima o momento de o trabalho remunerado ser, além de dever social, um facto para toda a população activa e livre, segue-se que por intermédio da organização corporativa a vida económica é elemento da organização política. Não só o Estado conhece a vida económica, se interessa por ela, a protege, a dirige, em harmonia com os seus fins próprios ou os seus interesses políticos de momento, mas os elementos económicos — forças produtivas — entram na orgânica do Estado, fazem parte da sua constituição. Isto se faz não só por uma espécie de valorização política do trabalho, digamos assim, e de se aspirar a representação nacional mais perfeita que a inventada pelo individualismo, mas por força do novo conceito do que seja o Estado ou do que deva sê-lo no futuro. Estamos, sob este aspecto, no limiar de uma época, envolta ainda em sombras — aurora de novo dia — e sem mesmo nos poderem servir de guia modelos estranhos pela diversidade de algumas concepções fundamentais. Eis a primeira dificuldade. A antiga concepção do Estado, que corresponde ainda em grande parte à sua orgânica actual, faz dele máquina de feição estruturalmente, exclusivamente política e administrativa. Quando lhe exigimos actuação ou rendimento económico, somos obrigados a enxertar-lhe princípios, elementos, instituições da vida económica tal como os particulares a organizaram, e todos vêem, pela falta de sincronismo com a demais exploração dos serviços públicos, que tal acção lhe não compete. Numa palavra: ele não está apto a dirigir a economia, pelo que ou se há-de transformar ou há-de desistir. O problema pode então ser resolvido pela organização corporativa, e com ela até, em vez de termos a economia dirigida pelos governantes, podemos ter a economia auto-dirigida, que é fórmula incontestavelmente superior. Seja qual for a interferência dos órgãos corporativos na feitura das leis — estudo e preparação como na nossa Constituição Política, deliberação como pode ser noutros sistemas — a verdade é que mesmo sem a existência de preceitos genéricos e só por entendimentos bilaterais sobre quantitativos e condições da produção, preços, regalias do trabalho, a economia nacional pode ter suficiente direcção. Não duvido, porém, de que em certos momentos a autoridade suprema intervirá, porque não será uma e a mesma coisa dar direcção à economia e satisfazer com ela o interesse geral. Como manter o Estado ao abrigo da corrupção plutocrática e as forças do trabalho ao abrigo das suas prepotências? É evidente e ensinado pela experiência que é fácil a corrupção onde a responsabilidade de poucos é substituída pela irresponsabilidade de muitos: os regimes democráticos prestam-se, mais que nenhuns outros, a compromissos, entendimentos, cumplicidades abertas ou inconscientes com a plutocracia. A fiscalização da administração pública por parte dos particulares e a existência de imprensa aberta à colaboração dos homens independentes contribuirão para descobrir e tornar estéreis as manobras dos interessados. Mas a forma mais fácil de manter o Estado ao abrigo da corrupção plutocrática é — não ter de ser corrompido. Quando há pouco afirmei, tratando da economia nacional, que é preferível a sua auto-direcção à sua direcção pelo Estado, tinha em mente, além do que disse, a vantagem ......................................
(continua)
O CORPORATIVISMO PORTUGUÊS (05)
(Prob1emas da organização corporativa» — Conferência no 5. P. N., em 13 de Janeiro — «Discursos», Vol. I, págs. 283-284, 288-289, 294-296 e 296-298) – 1934 Consultar todos os textos »»
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