29 de março de 2024   
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A posse da infância e da juventude, a educação no sentido nacionalista, a formação da mentalidade geral, os exercícios, os jogos, os desportos, os cuidados de revigoramento físico e moral da raça, as preocupações da investigação científica, a organização da vida corrente, a produção, o comércio, até a arte — tudo se pretende que obedeça a uma direcção única, a um único espírito, e — à falta de um estado de consciência colectivo que espontaneamente se encaminhe para esse resultado — é o Estado quem se arroga determiná-los, como representante e guarda do interesse geral. Aparece assim, quase como um axioma, que o Estado deve dirigir a economia da Nação. Mas como? Como?
O tempo revela que a direcção moderada e discreta das pautas, dos tratados de comércio, dos prémios aos produtores não evita desvios inconvenientes, excessos que se traduzem em prejuízos, falta de ajustamento das várias rodagens da produção. Tem-se ido mais longe: o estabelecimento de indústrias pelo Estado, o condicionamento de muitas outras, financiamentos directos e indirectos, restrições da actividade privada e das suas iniciativas. Mas está aqui uma das dificuldades do problema, visto que, aliás sem desconhecer as necessidades presentes, não quer o Estado português arrogar-se papel exagerado na produção e pretende valorizar ao máximo a acção da iniciativa individual — mola real de uma vida social progressiva. Quando o Estado vá além da indicação das necessidades colectivas e da realização das condições gerais para que os particulares possam satisfazê-las, entra no caminho dos grandes desperdícios, das concorrências indevidas, do trabalho improgressivo. É preciso salvar, no interesse particular e público, a iniciativa privada.
Por maiores benefícios que se reconheçam na concorrência, não há dúvida de que ela não constitui força económica permanente, pois tende para a sua auto-destruição, nem as vantagens que presta as usufrui a colectividade sem prejuízo de maior.
De facto, muitas vezes se nota que os concorrentes, por eliminações sucessivas dos mais fracos, chegam ao monopólio ou ao entendimento, forma atenuada do primeiro. E verifica-se que na luta se desperdiçam capitais e se jogam o destino e interesses do trabalho, com vantagem por vezes insensível e sempre transitória para os chamados consumidores. Certos factos recentes sucedidos entre nós com as indústrias de tabacos, fósforos e navegação marítima ilustram, sem mais esclarecimentos meus, suficientemente a afirmação. Ninguém hoje se lembra de, numa economia nacional que se pretende ordenada, estabelecer como princípio fundamental a concorrência sem limites. Por outro lado o monopólio assusta — assusta porque tende para o abuso como toda a força não controlada, porque tende para a estagnação como toda a actividade sem estímulo, porque, como bem disse Poincaré, onde está o monopólio aí começa o socialismo. Devo acrescentar que me parece não serem estes os resultados em toda a parte, sendo por isso provável que a formação do espírito colectivo leve nalguns países o monopólio a cuidar de servir bem o público antes de servir os interesses particulares dos monopolistas. Não há dúvida, porém, de que em muitos povos — e o nosso entre eles — as coisas se passam no mau sentido que defini. Eis uma dificuldade que deve ser resolvida.
A Constituição prevê, reconhece e, diríamos mesmo, favorece a concorrência, pretendendo simplesmente que os diversos elementos da economia corporativa não tendam a estabelecer entre si concorrência desregrada e contrária aos justos objectivos da sociedade e deles próprios. Mas a aspiração constitucional séria vã se as condições económicas e sociais do trabalho nacional não estivessem dispostas para os resultados que ela prevê. Em primeiro lugar o ordenamento da economia nacional através do regime corporativo, movendo-se no âmbito fixado pela Constituição, tem de deixar sempre margem larga para a iniciativa privada e para a concorrência, ou pelo estabelecimento de novas explorações, ou pelo comércio livre, ou pelos preços, ou pela qualidade dos produtos, ou pelas embalagens, ou pelas condições de venda (não me parece que a estreita regulamentação das condições de produção e de venda, amarfanhando todo o espírito de renovação e de grande iniciativa, fosse benéfica para a colectividade). Em segundo lugar o princípio da liberdade de comércio externo e as pautas aduaneiras devem constituir, na mão do Estado, a segura defesa dos interesses gerais contra os abusos prováveis ou possíveis de qualquer sector da economia nacional.


Liberalismo e Dirigismo (05)

(«Problemas da organização corporativa» — Conferência no S. P. N., em 13 de Janeiro — «Discursos», Vol. I, págs. 287-288 e 289-291) – 1934

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