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Sobre a unidade económica — Nação — move-se o Estado. Em que sentido e dentro de que limites se pode considerar a organização económica elemento da organização politica? A vida política não se confunde com a vida económica, a organização económica é distinta da organização política, mesmo no campo económico, mas nada disto quer dizer que o Estado não deva ter um pensamento económico, não dirija superiormente a economia do País, não procure no aumento da riqueza a sua força e prosperidade e na justiça a base da ordem e da paz entre os cidadãos. Nunca o Estado, expressão superior do agregado nacional, poderia fazer afirmação de desinteresse perante a maior ou menor consistência da economia do País, os princípios a que obedece na sua expansão, o modo como se realiza a justiça nas relações sociais. Contra todas as claras lições da experiência, entendem muitos que há-de o Estado alargar as suas funções económicas, organizando ele próprio a produção e com esta a repartição da riqueza. Por este caminho se tem chamado à actividade do Estado a organização e distribuição do crédito, os meios de transporte, a construção, a exploração das riquezas do subsolo, os povoamentos florestais, vários ramos da produção agrícola e industrial, o comércio de certos géneros, quando não todo o comércio externo. Mas, exceptuados os momentos em que se hajam de salvar do melhor modo possível os maiores valores da economia nacional, arrastados pelo encandeamento dos desequilíbrios que as crises provocam, as funções do Estado devem ser muito mais limitadas e essencialmente diferentes. Não há nesta socialização crescente nem interesse económico — maior produção de riqueza em melhores condições de custo — nem interesse social — mais justa distribuição de rendimentos, melhor atmosfera para valorização dos indivíduos — nem interesse político — maior independência do Estado, mais asseguradas liberdades públicas, mais eficaz defesa dos interesses colectivos. O Estado deve manter-se superior ao mundo da produção, igualmente longe da absorção monopolista e da intervenção pela concorrência. Quando pelos seus órgãos a sua acção tem decisiva influência económica, o Estado ameaça corromper-se. Há perigo para a independência do Poder, para a justiça, para a liberdade e igualdade dos cidadãos, para o interesse geral em que da vontade do Estado dependa a organização da produção e a repartição das riquezas, como o há em que ele se tenha constituído presa da plutocracia dum país. O Estado não deve ser o senhor da riqueza nacional nem colocar-se em condições de ser corrompido por ela. Para ser árbitro superior entre todos os interesses é preciso não estar manietado por alguns.
Normalmente o Estado deve tomar sobre si a protecção e a direcção superior da economia nacional pela defesa externa, pela paz pública, pela administração da justiça, pela criação das condições económicas e sociais da produção, pela assistência técnica e o desenvolvimento da instrução, pela manutenção de todos os serviços que são auxiliares da actividade económica, pela correcção dos defeitos que por vezes resultam do livre jogo das actividades privadas, como é o da desigual distribuição da população e duma inconveniente estrutura da propriedade rural, pela especial protecção das classes menos favorecidas, pela assistência, quando não pode conseguir-se, mediante a acção das instituições privadas, a conveniente satisfação das necessidades humanas. Infelizmente, do livre jogo das actividades particulares nem sempre resulta a justiça, nem a administrada é sempre satisfatória perante a inferioridade económica de muitos indivíduos. Eis porque essa mesma aspiração do justo nas relações sociais nos deve levar a proteger os fracos dos possíveis abusos dos fortes e os pobres do excesso da sua pobreza. Na função educativa que deve ser dada a este moderado intervencionismo, o progresso, porém, não está em o Estado alargar as suas funções, despojando os particulares, mas o Estado poder abandonar qualquer campo de actividade por nele ser suficiente a iniciativa privada. Falando da pequena acuidade da crise em Portugal, muitos têm observado que o facto se deve ao nosso atraso e à feição peculiar da nossa economia. Eu o fiz notar antes de ninguém, disposto a corrigir no momento oportuno — que nem todo o avanço é progresso e que atraso pode ser apenas não se ter distanciado tanto dos princípios duma economia racional. Agora, como em todos os momentos críticos, é preciso escolher, saber escolher e saber sacrificar — o acidental ao essencial, a matéria ao espírito, a grandeza ao equilíbrio, a riqueza à equidade, o desperdício à economia, a luta à cooperação.
Liberalismo e Dirigismo (03)
(«Conceitos económicos da nova Constituição» — Discurso radiodifundido da União Nacional, em 16 de Março — «Discursos», Vol. 1, págs. 205-208 e 209) – 1933
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