A Exposição do Mundo Português, porém, não foi apenas fumo de incenso, que perturba agradavelmente e logo se desvanece: dela ficaram realidades palpáveis, como essa Praça do Império, que a Câmara Municipal de Lisboa custeou e executou; os pavilhões de Etnografia, que o Secretariado Nacional de Informação adaptou a museu – a abrir dentro de meses –, os pavilhões do lado oposto, onde estão instalados hoje ateliers de artistas e clubes náuticos, tudo aquilo de que esse acontecimento foi semente e impulso urbanizador e de que restam, transitoriamente, os dois grandes pavilhões de Lisboa e dos Portugueses no Mundo, à espera de uma oportunidade favorável que permita substituí-los por edifícios de carácter permanente.
Duas figuras se recordam que, entre muitas, foram das maiores: a do comissário geral da Exposição, Dr. Augusto de Castro – voz eloquente da Exposição, que ele concebeu no seu plano histórico –, e a nossa outra metade – o comissário adjunto e engenheiro chefe Sá e Melo, personificação da actividade sem alardes e do espírito de sacrifício que não espera louvores.
Localizada num ambiente de alto poder evocativo, despejada de todos os entraves que impediam o estabelecimento de um plano geral digno da ideia, os seus pavilhões cresceram rapidamente, perante o pasmo de nacionais e estrangeiros, com a expressão arquitectónica que resultava da natureza dos materiais empregados, dos limites do orçamento previsto e do fito de traduzir por novas fórmulas e símbolos os oito séculos da nossa história que a Exposição punha diante dos olhos de todos.
Nem as alturas nem outras dimensões afrontaram aqueles que procuraram ver grande e digno, forte e eloquente. Um espírito de colaboração íntima reuniu em amigável cruzada historiadores e literatos, artistas plásticos e técnicos, industriais e operários. Um sentimento impossível de comandar punha em todos, involuntariamente, ora o sorriso da consciência tranquila ou da vitória parcialmente alcançada, ora a expressão da ira passageira com que alguns vencem obstáculos e atritos inevitáveis.
Quando, na manhã da inauguração, se removiam os últimos entulhos e se davam os últimos retoques aqui e acolá, pairava no ar o desejo de um abraço colectivo que reunisse os homens do pensamento e da sensibilidade àqueles esforçados trabalhadores anónimos que vieram e despareceram como tinham vindo.
Perante a realidade de uma cidade nova que nascera por encanto e que nessa manhã, sem gente, parecia apenas um milagre em tamanho natural, evocámos com saudade o bando branco dos estucadores, o bando azul-ganga dos serralheiros, que víramos montar a Cúpula dos Descobrimentos em acrobacias que dispensavam andaimes, o coro dos martelos dos carpinteiros, o crepita das soldaduras eléctricas, o trabalho concentrado dos jardineiros e dos calceteiros, que deixaram na Praça do Império a marca da sua ingenuidade enternecedora, entremeando com a heráldica pura os distintivos de dois clubes de futebol, os modelistas que tinham antecipado a visão presente com a ourivesaria da preciosa maquette da Exposição, todos aqueles, enfim, que passaram e deixaram na grande obra a materialização de um dever cumprido com entusiasmo e alegria e o testemunho vivo do seu valor.
Que neste «Livro de Ouro» fique, não a memória descritiva ou a colecção de pormenores ou de nomes, mas a expressão de um reconhecimento que se dirige ao Governo que ofereceu essa oportunidade a artistas e técnicos e o sentimento de gratidão por aqueles que a nosso lado trabalharam e nos deram o apoio do seu valor profissional e da sua boa camaradagem.
Cottinelli Telmo
Arquitecto chefe da Exposição do Mundo Português
(Continua)
(Parte CXLI de CXLII – Fim da exposição dos 15 Anos de Obras Públicas – 1.º Vol. Livro de Ouro 1932-1947)
15 Anos de Obras Públicas – 1.º Vol. Livro de Ouro 1932-1947 (141)
(Fonte: 15 Anos de Obras Públicas – 1.º Vol. Livro de Ouro 1932-1947 – A EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS – Cottinelli Telmo – Arquitecto chefe da Exposição do Mundo Português)