24 de abril de 2024   
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A Europa, tal como resultou de condições mesológicas e de longa evolução histórica, não pode resolver por si e dentro de si os problemas fundamentais da sua vida e cultura; necessita de cooperação de outras partes do mundo. Podem deslocar-se soberanias – e esta deslocação está praticamente limitada a territórios e povos oscilantes -, podem sangrar-se populações, mas não podem aniquilar-se povos, raças, desenvolvimentos demográficos, energias e ambições de independência onde a maturidade da vida social a tenho por necessária. Não basta também a África em que a Europa pode dizer-se quase inteiramente domina, e por isso se habituou a resolver aqui os problemas de lá; são precisas a Ásia em que só parcialmente manda, e a América que deixou absolutamente de mandar.
Ora a guerra pode ou não lançar a Europa na subversão das suas instituições e no aniquilamento da sua civilização e cultura – e muitos o pensam – mas é certo que economicamente a arruína, e a paz em que ela está a viver também. Dos loucos dispêndios de preparação bélica que uns aos outros atraem ou provocam advêm em grande parte das suas restrições de vida, as suas crises financeiras, as suas falências, as desvalorizações e instabilidade das moedas, em suma, não pagar e não cumprir, e à medida que maior colaboração se lhe impõe mais se vê condenada ao isolamento.
A grande força de progresso social e político que os nacionalismos representam só parece ser benéfica enquanto se mantém nos domínios da competição pacífica, aliás tenderá a criar dificuldades à solução dos problemas próprios dos outros nacionalismos despertos.
Quando a Europa fala de espaços vitais como de um facto ou de uma aspiração representativos de estreitas relações económicas, da existência ou da formação de economias naturalmente complementares pela contiguidade ou aptidões naturais, ela pode tender para a progressiva racionalização da economia geral; mas, se dessa noção desliza para a reserva dos mercados e desta para o domínio político, incorpora naquela ideia um princípio de guerra e pode esperar se ergam fortes barreiras ao seu desenvolvimento.
Enquanto grupos e emigrantes trabalham em país estranho a cuja economia e hospitalidade se acolheram, ninguém estranhará que até eles se estenda a protecção do seu país de origem; mas, se a Europa proclamar o princípio de que esses núcleos representam protecção ou afirmação de soberania estrangeira em verdadeiros enclaves, logo haverá quem divise no fenómeno começo de invasão política e novos obstáculos surgirão à colocação no mundo de novos excedentes demográficos.
Quando a Europa deixa perceber que à regimes políticos essencialmente agressivos e outros dotados de evangélica mansidão e respeito pelos direitos alheios, não só comete um erro clamorosamente desmentido pelos factos mas tende para a artificiosa criação de blocos ideológicos e suscita problemas de ordem interna nos Estados que estão longe de facilitar o caminho para o entendimento. E quando exige ou concede direitos de cidade a organizações partidárias cuja direcção ou chefia reside em país estrangeiro e se manifesta contra a existência nacional independente, está a minar a solidez dos mesmos Estados ou soberanias em que pretende apoiar-se para construir a paz.
Disto e só disto me arreceio – que a Europa que nenhum problema pode resolver pela guerra dentro de si não saiba organizar em si mesma a paz e, de um modo ou de outro, procurando progredir e viver, lance ela própria, como semente sobre a terra, princípios de ruína e de morte. E seria trágico, pois, quando a Europa se diminui, é já menor o mundo.
Falamos como europeus.
Somos e orgulhamo-nos de ser pela nossa organização, pelo nosso trabalho, pelas nossa concepções políticas e sociais, pela nossa mesma estabilidade factor de paz. Nada pretendemos dos outros e não há contra nós reivindicações com qualquer fundamento a apresentar. Para honrar compromissos muitas vezes entrámos em guerra e batalhámos por esses campos da Europa, sem que nunca recebêssemos acrescentamentos territoriais, buscássemos a paz interna, auferíssemos lucros ou benefícios de qualquer ordem, e de outro conflito não os queremos nem esperamos. Muitas vezes nos batemos por honra, dever ou ideal, não por interesses materiais, e tendo malbaratado fazenda e vidas, nunca a guerra nos foi negócio ou fonte de negócios. Quando muito, defendemos o nosso direito e mostrámos que a vida fácil nunca foi nosso quinhão: isso nos dá direito a falar de paz sem se poder dizer que o fazemos por covardia ou comodidade. É por convicção; é por dever.
Se efectivamente a guerra não pode ser uma solução para os problemas europeus mas um problema mais grave que os outros que pretenderia resolver, as dificuldade gerais reclamam no fim como no princípio da corrida de armamentos as soluções que só a inteligência pode ditar e não poderão nunca advir da força mas da discussão, do entendimento, da boa vontade em suma. Nestas circunstâncias pode afirmar-se que alguns em condições análogas às nossas só com mostrarem-se prudentes e calmos prestam já óptimo serviço à paz.


Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (40)

A Europa e os problemas fundamentais da sua vida e cultura - Discursos, Vol. III, pág. 142 a 146
Edições Panorama - Lisboa 1961

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Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
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