18 de abril de 2024   
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A iniciativa dos Estados Unidos e do Canadá ao promoverem o Pacto do Atlântico Norte veio dar o apoio de força indispensável a uma tal ou qual eficiência da defesa da Europa, ao mesmo tempo que se procurou reanimar a respectiva economia com os auxílios directos dos capitais e da técnica americana. Fazem-no os Estados Unidos por compreensível sentimento de solidariedade humana; fazem-no em virtude das responsabilidades na direcção política do Mundo que a grandeza do seu esforço de guerra lhes granjeou e a alteração do valor relativo das grandes potências inegavelmente lhes impôs, fazem-no ainda por bem conduzido cálculo dos seus interesses materiais e morais: Subvertida a Europa e com esta a África, enfrentada e delimitada a América nos dois oceanos pela potência russa e seus aliados, a América veria uma nova concepção monroísta aplicada de fora para dentro, e, na melhor hipótese, teria de aceitar viver, sem influência ou projecção exterior, no seu próprio continente. O Mundo afigurar-se-lhe-ia por demais reduzido e, no seu conceito, o homem dolorosamente amputado em atributos indispensáveis à beleza e dignidade da vida.
É a esta luz que me parece dever encarar-se o Pacto do Atlântico e ver-se nele fonte provável de outros desenvolvimentos futuros. A hesitação da doutrina, a fluidez dos preceitos, o impreciso de certas fórmulas, que saltam ao exame minucioso do texto, não se devem considerar filhos da falta de clareza na visão dos problemas, mas da natural indecisão dos começos, do desejo de evitar as maiores reacções internas ou externas ou até da inadaptação da máquina constitucional ao exercício de tão vasta acção. Mas as realidades mandam e impor-se-ão fatalmente nos momentos decisivos da história euro-americana, que para os próximos decénios se me afigura comum.
Ao lado de um princípio de assistência mútua poderá ver-se no Pacto também um conteúdo ideológico? Sem dúvida, mas nos precisos termos que lhe são impostos pelas considerações acima. A definição dessa ideologia é manifestamente infeliz no preâmbulo do Pacto e sofre da vacuidade ou imprecisão de certas fórmulas já gastas e perturbadoras, porque empregadas por toda a parte nas mais diversas acepções. Elas compreendem-se porém no seu significado profundo, quando contrapostas às realidades que as provocaram, e não é o seu maior defeito apresentarem apenas conteúdo negativo anticomunista, em vez de afirmações consentâneas com os princípios de uma civilização que se entendeu dever defender. A verdade é que mal se podia avançar nessa orientação quando aqui se enfrentam algumas graves consequências do liberalismo individualista, além se fazem tentativas para conciliar a liberdade e o socialismo e noutras partes se desperdiça tanto espírito a tentar a identidade dos contrários, pondo de acordo comunismo e cristianismo.
Seja como for, sentimo-nos ligados pelas obrigações do Pacto e pela sua finalidade geral, não por afirmações doutrinárias tendentes à uniformização de regimes políticos sobre cujas virtudes no nosso País estamos suficientemente esclarecidos. Todas as pretensões que na Inglaterra e nos Estados Unidos, e aliás da parte de pessoas sem responsabilidades de governo, surgiram em sentido contrário considero-as derivadas do desconhecimento das origens do Pacto e sobretudo não avaliando bem o peso das circunstâncias nem os problemas reais da Europa Ocidental.

(Continua …)


Relações Internacionais: O Comunismo, Aliança Inglesa, Amizade Peninsular, Pacto do Atlântico (19)

(«Portugal no Pacto do Atlântico» — Discurso na Assembleia Nacional, em 25 de Julho — «Discursos», Vol. IV, págs. 408-411 e 415-418) – 1949

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